terça-feira, 24 de junho de 2008

Daquele desconhecido anônimo.

Ela sempre gostara muito de observar as pessoas. Tem quem chamasse isso de hobby, de mania, ou de qualquer outro nome que tivesse na moda, mas o que ela gostava mesmo nunca foi de nomear, mas sim de observar. E dentro de suas observações, claro, haviam diversas classificações e mais outros milhares de nomes, neologismos, análises, crenças e verdadeiros contos envolvendo pessoas que simplesmente passavam, iam, e efemeramente saiam de sua vida.
Mas, aquele dia foi diferente, sem que ela notasse, parada, diante de sua cinzenta portaria, eu passei a observá-la, e não só isso, eu me encantei com essa observação. Sempre fui desligado, desleixado e havia quem dissesse, perdido. Mas, hoje, de alguma forma, eu havia encontrado um motivo para deter minha atenção a um par de olhos negros e um sorriso gigantesco. Sem que soubesse, minha atenção havia se voltado praquela garota parada naquela portaria a mexer naquele celular.
E eu observei, e eu fiz o que ela sempre gostou, e me atrevi a designar qualidades e histórias para aquela moça. Como nunca fui de realidades e como meu pai sempre me disse, vivo de passado, imaginei um passado próspero e muito remoto em que nós dois vivíamos felizes.
Eu era o maior, eu era o rei da vizinhança, minhas gudes eram invencíveis, e ela era a filha que toda mãe havia pedido a Deus. Estudiosa, cozedeira, educada, gentil e muito inteligente e determinada. E nós crescíamos. Nossa vida era tranqüila, e nosso bairro era agradável. Mas a segunda guerra chegou, e com ela, seus males. Vi minha mãe se desesperar, e vi a mãe dela parar de notar sua perfeição e entregar-se à bebida. Já era um homem à essas alturas, meus doze anos tinham um peso absurdo, era hora de agir.
Fui em sua casa, e roubei-a pra mim. Fomos de camelo para a Índia, onde lá, seriamos felizes. Ah, como ela era linda, e eu sabia que com ela eu seria feliz pra sempre. Meu Deus, como aquilo era tudo que eu precisava. Eu sabia que com ela eu seria completo, eu era o homem mais realizado do mundo e não havia nem sinal de espinhas em meu rosto!
Com o fim da guerra, recebi um e-mail da minha mãe, contando que nosso bairro havia sido comprado por uma máfia de meias-soquete e não era seguro voltar. Não podia ser mais ideal! Fomos para Bali, surfar e aproveitar o verão de setembro. Céus, como ela ficava linda ao sol. Eu sabia que ela sabia o quanto eu a amava. Dentro de mim, todo o meu amor era dela, e fora de mim também. Ela era meu bichinho de pé com cachinhos dourados e olhos de ameixa. Eu sabia que havia força em seu sorriso, e doçura em suas mãos, e ela sabia que eu sabia disso. Ela sabia de tudo e de tanta coisa, era tão genial.
Finalmente, bronzeados e cheios de compras, voltamos pra casa, sua mãe havia largado a bebida e agora era uma cantora de ópera renomada, e seu pai tocava harpa em festas diplomáticas. E ela agora era uma bailarina muito famosa. Seus pés sustentavam quatro carros populares dentro de uma sapatilha e sua mão fazia aquela conchinha do ballet sem entortar um dedo sequer. E eu agora era herói, e meu cavalo só falava inglês.
Quando comecei a pensar sobre nossos filhos um longo carro cor de vinho estacionou diante de seu prédio e buzinou, será que a levaria de mim? Não era possível! Não! Não seria capaz de tamanha maldade!
Seria, e levou. Vi de relance seu lindo sorriso partir e seus cachinhos abandonarem meu campo de visão. Mas não me desesperei, continuei meu caminho, pois sabia que íamos voltar a nos ver. Afinal, temos filhos para criar e uma história linda a viver. Eu sei que ela sabe que eu sou o grande amor da sua vida, e agora só falta eu me apresentar, e isso não vai demorar. :)

6 comentários:

Isadora Sodré disse...

Vive quem sonha e quem te conhece.
Te amo demais e obrigada pelas risadas que você me oferece toda vez que passo aqui.
(:

Anônimo disse...

Lindo texto.

Anônimo disse...

encantador!

Anônimo disse...

Adorei

Anônimo disse...

Ameeeei =)
muito booom !

marina disse...

hoje eu tô acreditando nele mais do que nunca na minha vida :)