sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Ah se eu fosse marinheiro...

Tocou em seu chapéu e sentiu sua engomada textura. Hoje seria a última vez que o colocaria e ele precisava estar em plena forma em menos de vinte minutos. Prontamente vestido dirigiu-se a proa do navio e olhou o mar pelo que ele imaginaria ser, sua última vez. Suspirou pesaroso. Mas preferiu deixar essas besteiras sentimentalóides um pouco de lado e procurou ater-se ao que sentiria mais falta naquele navio.
Não queria que a tripulação achasse que ele era um marinheiro bobo de sessenta e quatro anos. Apesar de que era isso mesmo que ele era.
Olhou o céu e irremediavelmente começou a estimar concordatas para dar a seus superiores acerca do tempo ou do que quer que fosse suceder com a viagem. Antes mesmo de terminar seus cálculos metereológicos ele parou, e procurou voltar pro que havia se proposto naquele banquinho solitário.
Talvez fosse mesmo dos portos que ele fosse mais sentir falta. Todo o misticismo envolvendo marinheiros eram de fato reais.
Ele havia conquistado uma senhora diferente em cada um. E havia sido absolutamente maravilhoso com cada uma delas. Jamais se esqueceu da Vilma de Santos e considerara Ânia de Paranaguá o verdadeiro amor da sua vida. Mas, pensando bem, talvez o verdadeiro mesmo tenha sido Glória... Com um leve tapa em sua careca em formação ele esvaziou tais considerações. Procurou lembrar-se com carinho de cada uma delas. Tentou se lembrar do que ele poderia sentir falta acima de todas as coisas, e depois de muito pensar imaginou talvez que fosse, acima dos portos, o branquinho que as ondas faziam ao bater na polpa do navio. Certa vez, um engenheirozinho a passeio em um dos cruzeiros que trabalhou tentou lhe explicar. Usou uma porção de nomes difíceis os quais ele nem mesmo deveria estar entendendo. Nem ligou, continuou a olhar toda aquela espuma branca com uma ternura sem igual. Achou que talvez fosse obra dos dedinhos de Deus. Aquilo que todo mundo procura toda a vida, uma explicação. Nunca precisou de muita explicação pra tanta espuma. Era só aquilo mesmo, constante, linda, pura e absolutamente alheia de qualquer gritaria ou confusão que poderia estar acontecendo no convés acima de sua brancura.
Certa vez havia recebido uma proposta para receber um salário um tanto mais recheado na base naval de Tubarão. O salário seria quase o dobro. Pois ele nem mesmo hesitou. Era quase trinta anos mais moço e tinha uma convicção quase que obstinada de que sua vida era aquele enorme mar. E olhando as ondas e toda aquela maresia lembrou-se desconexamente de Paloma. A morena de Búzios. Ah, ela sim. Por Paloma ele poderia aterrar-se. Mas, não valia a pena. Se o dobro de seu salário não o havia fixado não seria uma mocinha de dezoito anos que o iria. Mas é certo que Paloma tinha olhos azuis da cor daquele mar que ele era tão fascinado. Talvez fosse uma troca justa, os olhos azuis de Paloma no lugar daquela imensidão... Nem mesmo terminou a sentença em sua cabeça. Não valeria a pena.
Nem mesmo um colega, nem mesmo um capitão conhecera tão bem aquela proa como ele. Ninguém. E agora, a Marinha Mercante havia cordialmente enviado-lhe uma carta dizendo serem desnecessários seus serviços e oferecendo-lhe uma gorda aposentadoria. Que insulto! Como se as coisas funcionassem assim. Não lhe interessava essa aposentadoriazinha. A começar, onde ele iria? Abdicara de uma família, amigos de infância estavam soltos pelo mundo e sua chance de construir um lar já estavam por água abaixo. Água, riu, irônico. Paloma, Vilma, Ânia... todas estavam vinte anos mais velhas e certamente vinte vezes menos fogosas e graciosas. O que lhe restara?
Pensou em investir todo seu dinheiro e viver como marinheiro-honoris. Até que descobriu que tal posto jamais existiu e que era apenas um cargo ficcional do livro que sua mãe lia.
Mas pra quê pensar em tanta aflição quando ainda se tinha uma longa tarde para se olhar espumas brancas e lembrar-se de tudo que era bonito e valia a pena? Com um súbito cansaço preferiu voltar a sua cabine para um cochilo, em que em seus sonhos tudo aquilo que o cercava, sua vida como a conhecera, permanecia ali para sempre. Em seu sonho suas ladys de porto permaneciam jovens e vívidas. Seu sonho mais distante era só tudo que sua vida havia sido. E envolto em alva espuma, ele abriu os olhos por uma última vez, constatou que preferia viver sonhando. Sendo assim, voltou a dormir. Para sempre.

domingo, 9 de agosto de 2009

Pet Shop Mundo Cão

‘Não quero medir a altura do tombo
Nem passar agosto esperando setembro, se bem me lembro
O melhor futuro este hoje escuro
O maior desejo da boca é o beijo’

Deu vontade de escrever. Tem muito tempo que eu não venho aqui, mas às vezes eu acho que eu não posso desperdiçar minha escrita pra não perder essa válvulinha tão importante pra mim que é escrever. Acho que eu disse isso num e-mail pra alguém, mas é como se escrever deixasse tudo aquilo, mas tudo mesmo, que eu ando pensando bem mais esclarecido e qualquer pessoa no mundo pudesse simplesmente entender bem direitinho e assim, bem rápido me achar a pessoa mais clara do mundo todo. É, não sei se ainda funciona assim.
Eu ando precisando praticar, essa história de fazer redação pra escola é uma grande merda. Fico pensando em parágrafos e tentando cada vez mais ser menos subjetiva, o que não deveria acontecer, não quando eu posso escrever freeamente como está acontecendo aqui (apesar do Word me reprimir um bocado quando eu vou escrevendo neologismos queridos).
Ouvir música nacional do amor sempre me dá vontade de escrever, hoje foi Zeca Baleiro, mais cedo foi Wonkavision e tem nem um mês foi Ludov. Acho tão legal o jeito com que eles vão assim escrevendo e dizendo um monte de coisas e ainda colocam sons legais por trás. Nunca consegui fazer essas coisas, até hoje me emputeço por minha mãe não ter me colocado em instrumentos, ou nada assim super supimpa quando eu ainda tinha neurônios louquinhos pra aprender alguma coisa.
Eu costumava escrever coisas divertidas, com leve ar sagazes e sobre coisas que eu nem tinha vivido, acho que agora eu vivi as coisas e perdi o ar levemente sagaz. Ou então foi a música impulsionadora de hoje. Sempre internamente reclamei da falta de verdade das pessoas que escreviam sobre coisas tão íntimas assim que nem pareciam reais e agora eu acho que ando fazendo até parecido.
O cinema do shopping perto da minha casa fechou essa semana, e eu fiquei realmente muito sentida com isso. Eu não ia lá, é claro. Era uma sala só, passava o mesmo desenho por 3 semanas e o ingresso era caro. Mas eu gostava muito de saber que aquele cinema existia. Não que o cinema do Iguatemi seja lá muito mais longe que era aquele, mas mesmo assim, não aquele era melhor. Me lembro que era o único que eu conhecia que você podia escolher lugar e vivia vazio o que deixava ele ainda melhor. Das poucas vezes que eu fui lá eu fui sozinha. Assisti Vicky Cristina Barcelona sozinha lá um dia filando aula de tarde, bom demais. Assim, tão pertinho de casa. Se bem que os oito reais só eram bem pagos nessas vezes. Agora eu me lembro também de uma vez que eu resolvi ver Dois Dias em Paris lá antes de uma aula que só começava tipo, quatro e meia. Foi muito foda! Comprei chocolate, refrigerante, bolinhos e balas caras com papel chique (butter alguma coisa) e fiquei lá sentada esperando começar. Puxei meus fones e esperei. Sabe quando você sozinhamente fica poserizando, me sentia super Amelie, queria muito que alguém tirasse uma foto de mim naquele momento, ou então começasse a me amar simplesmente porque eu estava assistindo filme sozinha antes da aula de inglês (GRANDE MERDA HAUHAUHAHA). Aí a sessão tava marcada pra tipo, duas e dez. Deu duas e meia e nada, e tinham na sala, além de mim só umas duas velhas que ficaram loucamente emputecidas porque o filme não começava. Eu estava achando ótimo! Juro. Tava de bobnelsons esperando meu filme começar, comendo, ouvindo música. Couldn’t be better. Entra-me o gerente uns minutos depois dizendo que tiveram uns problemas e iam cancelar a sessão. Mini broxei né, todo meu programa poserista Amelie foi pro espaço, tava disposta a chegar na aula dizendo que tinha ido ver filme sozinha pronta a fazer amigos e me sentir foda. Tudo bem. Sai feliz, mini frustrada, mas feliz. No final das contas acabei levando uma garota do meu inglês pra ver comigo, e lembro que a gente tava conversando uma coisa tensa quando o filme começou e eu perdi a narração do começo. E como não gostei do filme tanto assim jamais soube o que eles disseram.
Essa merda de terceiro ano já podia ter acabado há bem uns meses atrás, né, mas é foda como em tão pouco tempo eu me vejo tão diferente. Estudar é uma porra esquisita né. Nunca tinha estudado na vida, não assim, só me lembro de estudar desse jeito nos finais de ano nas iminências de pegar recuperação. O foda (de ruim) de ser terceiro ano é não ser nada e acabar pegando por difusão o problema dos outros e sofrer com medo de perder no vestibular sem nem saber se fazer cursinho é tão ruim e dramático assim. Mas parece que a atmosfera contribui pra que você simplesmente fique estressado! Sofra, morra! Tudo conspira pra isso. Eu sempre disse ‘ah, mas vestibular não é tudo na vida’, e não é, isso eu tenho certeza. Mas parece que é uma agonia que eu nem sei se é minha mesmo, que eu fico reproduzindo só pra tar na moda.
E na moda ou não, devo passar mais bem uns meses sem voltar aqui só pra que meu léxico se recupere e eu continue achando que consigo dizer metade do que eu acho que eu queria dizer.

Aos que ficam, um braço da Vênus de Milo acenando tchau!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Capivara

‘Só uma noite’, foi o que ela pensou pela última vez tentando se convencer daquilo que ela estava prestes a fazer, o crime que estava prestes a cometer. Era só por uma noite, não poderia ser tão errado assim, poderia?
Olhou-se no espelho e checou mais uma vez como estava aparentando. Esplendida. Maravilhosa. Nunca havia se visto tão bonita quanto essa noite. A noite em que tudo mudaria, ou melhor, a noite em que tudo poderia mudar. Era melhor não pôr tanta pressão assim numa única ocasião. Seus seios pequeninos se encontravam de forma delicada no decote em V que havia conseguido, o vestido caia bem em seu corpo curvilíneo e suas unhas estavam bem pintadas. Nada poderia dar errado, era a saída de mestre para os problemas que estavam a perturbando. ‘Não vai fazer tão mal assim, vai? Uma noite só.’
Contrariava todas as suas doutrinas, éticas e dogmas pessoais estar ali naquela noite, com aquelas pessoas, fazendo aquilo. Era a primeira vez e provavelmente seria a última. Deixou pra lá todos os pensamentos equivocados e temerosos e entrou naquele táxi a fim de mudar de vez por todas o rumo da sua vida.
Ia ser a última vez que ela iria deixar de fazer algo por pensar em si mesma como alguém que não merecesse, ia ser a última vez que ia deixar outras pessoas falarem por ela, mesmo que por atitudes. Ia ser só a última vez em que ela seria notada por qualquer outra razão que não seus atributos físicos. Só assim que funcionaria a partir de agora.
Pediu que o motorista parasse um pouco antes da entrada pra que pegasse um trecho a pé, sempre gostara de andar com o vento nas costas, até mesmo pra entender melhor o que se passava debaixo de todos aqueles cabelos.
Definitivamente não era sono que estava sentindo, era uma dor pesada que fazia com que suas pálpebras doessem e seu andar ficasse ainda mais pesado. Eram os 19 anos de inércia finalmente ficando pra trás, precisava de um pouco de paciência com seu corpo e sua mente. Ficar em casa, deitada, remoendo, não adiantaria de muita coisa.
Aos poucos, avistava de longe a casa onde tudo aconteceria. O crime estava prestes a ser cometido, finalmente estava fazendo algo por si. Finalmente.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

because it's new year's eve



harry: i love you.
sally: how do you expect me to respond to this?
harry: how about you love me, too?
sally: how about, i'm leaving.
harry: doesn't what i said mean anything to you?
sally: i'm sorry, harry. i know it's new year's eve. i know you're feeling lonely, but you just can't show up here, tell me you love me, and expect that to make everything all right. it doesn't work this way.
harry: well, how does it work?
sally: i don't know, but not this way.
harry: how about this way? i love that you get cold when it's seventy-one degrees out. i love that it takes you an hour and a half to order a sandwich. i love that you get a little crinkle above your nose when you're lookin' at me like i'm nuts. i love that after i spend the day with you, i can still smell your perfume on my clothes. and i love that you are the last person i want to talk to before i go to sleep at night. and it's not because i'm lonely. and it's not because it's new year's eve. i came here tonight because when you realize you want to spend the rest of your life with somebody, you want the rest of your life to start as soon as possible.
sally: (feeling manipulated but also melting) you see. that is just like you, harry. you say things like that, and you make it impossible for me to hate you, and i hate you, harry. i really hate you. i hate you.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

No banco dos réus

A audiência estava em silêncio absoluto, não se ouvia um único suspiro ou muxoxo. As respirações estavam todas em uníssono e todos pareciam sintonizados numa mesma vibração. Concentrados e esperando descontroladamente por aquele resultado. Aquela sentença.
Mais a frente estava o juiz, forte, resistente, inabalável. Inquebrável. Tinha um olhar atento e direto, não hesitaria em condenar aquele réu e todos sabiam disso. Mas, ao mesmo tempo era fácil de localizar nele certa ternura e sapiência, muita sabedoria em lugar de uma simples inteligência, era um verdadeiro mestre, idoso, mas não senil. Vivído, mas não cansado.
Sentado, no canto esquerdo daquele tribunal estava ali, o advogado de defesa, frágil, com uma aparência ligeiramente chorosa e conturbada. Parecia ter acabado de passar por um turbilhão de sensações, e tudo lhe parecia fora de eixo. Uma cena incomum para um ambiente como aquele. Era notório que tinha acabado de fazer uma defesa, e em seu rosto ainda era podido ver toda a fúria que seu discurso guardara. Era bonito, era muito charmoso e jovem, muito jovem, havia um esboço de sorriso em suas lágrimas, que parecia poder ruir a qualquer momento. Sua certeza era impotente, e seu desejo de glória parecia subliminar diante de sua entrega àquele furor de emoções. Era volúvel, sensual e emanava a maior de todas as belezas, a da vontade e da juventude. Parecia que poderia queimar a qualquer momento, e suas lágrimas pareciam secar com uma velocidade muito rápida. Não era efêmero, era veloz, e arrebatador.
Já no canto direito estava o responsável pela acusação, e era nele que se podia ver a maior firmeza de todas. Era impassível, era inabalável e demonstrava, ao contrário do Meritíssimo Senhor Juiz, uma inteligência, uma sagacidade impecável, era astuto e capaz. Não era irônico, pois não era maldoso, era somente perspicaz e esperto. Sim, muito esperto. Sangue-frio não, mas consciente.
E de longe, a observar essa cena, em um banco, alto de mogno, estava ele, o réu. Seu olhar era fulminante e sua aparência poderia beirar a crueldade, mas por trás deste semblante estava indiscriminada uma sensibilidade e carência absurda, uma necessidade e anseio por atenção e notoriedade. Aparentemente, aquele julgamento, era uma espécie de vitória para aquele réu, enfim havia conseguido uma visão ampla e um brusco movimento por parte dos afetados.
Diante de todo o silêncio, uma perturbação tomou conta do réu, silêncio somente era permitido a ele se fosse corriqueiro e apropriado, mas aquele não, era aquele silêncio era medroso, da parte de todos, e isso não poderia acontecer, e então riu, nervosamente, mas sem cinismo, só com um leve deboche, um mecanismo ou uma válvula. E enfim, todos o olharam, mais uma vez, e isso fez o juiz finalmente acordar de uma espécie de transe que tivera olhando para a mesa do júri, não era indecisa a sua fase, era tão somente pesarosa, mas essencialmente sem perder a sua ternura.
E o silêncio tomou conta do tribunal novamente, todos sabiam que finalmente o veredicto seria dado e que por fim iria se saber o que estava nessa cruzada aparentemente sem fim, em dias de julgamento e muita aflição.
Seu olhar foi firme, e sua posição forte, e debaixo de muitas vaias e poucos aplausos, por fim, o Ciúme foi absolvido.
E o Amor, por fim, recolheu suas atas, deixando o recinto, onde a Paixão e a Razão se cumprimentavam e saiam em distintas direções opostas.

V. @ 23 de dezembro de 2007

domingo, 26 de outubro de 2008

Aos 14

Eu devo tar ficando velha, preciso exercitar minha paciência. Porra, é muito engraçado voltar aos lugares que se ia há uns anos atrás depois de passado um tempo, por mais curto que seja.
Tô ficando tão velha que tô evitando até me meter em muvucas com muitas pessoas em lugares que não sejam legais. Gosto ainda de ir em shows, mas tenho ficado muito irritada dentro de shopping center. Tô ficando velha mesmo, e nem dezoito eu tenho ainda.
É olhar as meninas com 12, 13 e ver que eu era meio assim e me achava superiormente interessante e cheia das diferenças maiores do mundo. Quando na verdade, não tem nada de muito original na pré-adolescência hoje em dia. E nem na pré-adultice dos 17 não, viu.
As pirralhas gritam por tudo, riem de tudo, gesticulam muito e mexem demais no cabelo. Porra, eu não queria tar assim não véi, acho que não chegou a idade da compaixão ainda, tomara que ela chegue, porque é uma merda ter vontade de enfiar essas pós-púberes numa caixinha e tudo mais.
Me sinto um cú de ficar achando essas coisas, até porque eu tenho certeza que vou achar o mesmo de mim daqui há bem pouco tempo, mas é que ter que ficar dentro de um shopping por mais de 5 horas ontem pra mim foi maior do que meus hormônios reguladores de temperatura puderam suportar. E eu ainda fui ver High School Musical, QUÃO FUDIDA AM I né vei.
Dá muita vontade de abraçar essas pirralhas e dizer pra elas que vai passar, véi. Que não precisa nem crescer muito pra começar a sentir preguiça de se cansar das coisas ou reclamar, ou que nem precisa ter lá maiores experiências de vida pra saber que não adianta você usar um botton do Led Zeppelin na mochila, VOCÊ NÃO VAI ARRUMAR UM NAMORADINHO POR CAUSA DISSO (essa foi a pior das minhas constatações), pessoas não vão gostar mais de você por causa da bem-boladez das suas pulseiras.
Dá vontade de dizer pra elas também que não é bom pintar tanto o cabelo com cores legais, vai ter uma hora que ele estragar bem muito e ficar que nem o meu, e vai ser meio irreversível, porque você vai sentir tanta preguiça de cuidar e vai se achar tão genial pelo fato de não querer saber do seu cabelo, que aí mesmo que não vai cuidar desse monte de pêlo em sua cabeça.
Crescer é legal, afinal de contas. Devo tar ficando muito reclamona, mas só sei de tudo isso porque há nem tanto tempo atrás era eu quem estava correndo afoita num shopping ou tentando anarquizar uma fila de cinema só pra pagar de mizerê.
Um grande agradecimento aos meus aturadores de 2005's e afins, e desde já aos aturadores dos 2008's.

Velha dá pra ficar, tomara que eu não fique rabugenta.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Se eu soubesse...

Observei de longe algumas crianças. De alguma forma me pareciam entrosadas, interagiam entre si através de bonecos. Eram crianças com bonecos, cada qual com sua distinta característica sendo fortemente enfatizada através de gestos ou falas que davam vida àqueles seres inanimados.
O barulho não dava brecha em momento algum e por mais que aqueles bonecos parecessem interagir, soava muito mais como uma conversa entre o criado e sua criatura. Por estar um tanto distante, não pude ouvir com riqueza de detalhes o que se passava naquela roda, mas me lembro de ter escutado as palavras “atenção” e “certeza” muito mais de uma vez. A princípio apenas uma das crianças mantinha sua voz mais baixa, ponderando muito o que falar e abrindo espaço para que qualquer um soterrasse sua voz. Era acanhada, mas me parecia muito forte, como se tudo que fizesse à sua boneca fosse muitíssimo importante e cheio de razões.
Ela tentou interagir com as outras crianças, mas todas elas pareciam muito ocupadas, discutindo com suas próprias criações, que não parecia haver tempo para prestar atenção no que o outro dizia, por mais que esta outra criança chamasse seu nome. Até porque, quem chamava não parecia lá muito interessado em ouvir qualquer palavra senão as que saíssem de sua boca.
Continuei observando e apurei meus ouvidos a fim de entender o que a criança mais próxima dizia. Não obtive muito sucesso com a formação completa das palavras, mas tive certeza pelo seu semblante de que aquela criança estava perdida e até mesmo confusa. Não da forma padrão, mas daquela forma que só fui capaz de perceber por ter uma sensibilidade apurada e bem treinada. Decidi focar toda a minha atenção e bloquear qualquer estímulo que me impedisse de prestar atenção ao que aquela jovem criatura berrava vorazmente. Seus braços se mexiam freneticamente e seu rosto estava vermelho em ira. Ouvi-a gritar fortemente o nome das outras crianças olhando em seus olhos, mas as outras crianças estavam ocupadas e precisavam manter diálogo com seus respectivos bonecos e com pessoas as quais não davam a menor atenção. Seu rosto agora estava perdendo a cor e sua boca estava começando a afrouxar, de longe pude ver que havia pegado seu boneco e posto no colo e logo depois abraçado muito forte. O vermelho tomou conta do pálido novamente e dessa vez sua ira havia sido substituída por um aparente forte sentimento de culpa, agora lágrimas escorriam por suas bochechas lisas.
Não muito longe, havia outra criança. Como não havia reparado nela antes? Talvez por ser a única que não gesticulava ou gritava. Parecia esconder algo, parecia esconder muita coisa. Tinha um olhar pesado e sua pouca idade era quase substituída por um olhar quase que severo de tão firme. A doçura estava na forma que tocava em seu boneco, com a ponta dos dedos. Sussurrava um mantra inaudível e nem que todos se calassem seria capaz de ouvir da distância que me encontrava. Era um pedido de desculpas e eu percebi haver uma espécie de arrependimento na forma com que aquela criança acariciava seu boneco. Por vezes a vi levantar os olhos e voltá-los para as outras pessoas da roda, mas quando outra fazia o mesmo, ela se voltava à criatura. Sabia que demoraria muito tempo ali, logo, resolvi observar uma outra.
Me parecia tão confusa quanto aquela outra, mas ao contrário da voracidade com que a outra gritava, essa permanecia impassível e por mais que seu rosto denotasse lágrimas a caminho, sua mão era firme como uma pedra, a mesma mão que escondia seu rosto numa tentativa de mostrar firmeza. Estava certa que ao contrário da anterior, essa certamente mudaria o rumo da discussão logo que a primeira lágrima teimasse em cair, seria o fim de sua muralha.
Certa de que estava certa em minhas percepções, resolvi observar uma última criança que tinha acabado de levantar e colocar-se no centro da roda. Seu rosto era neutro quando se levantou. Ao sentar, fechou os olhos com veemência e logo que abriu, baixou os ombros rapidamente como se acabasse de receber todo o peso do mundo. Seu olhar era triste e ela parecia querer absorver tudo que estava ao seu redor. A vi ponderar sua voz ao gritar com ódio e tatear com carinho derramando lágrimas incessantes. Fiz menção de levantar e tive vontade de tirá-la daquele círculo de fogo e lamúrias, mas fui segurada por uma mão que empurrou meus ombros de volta a cadeira. Olhei quem havia feito tamanho disparate e, logo que percebi, sentei derrotada. Sabia que não podia interferir.
A criança parecia estar sofrendo e pedia atenção das outras, mas as outras pareciam bradar com sua boneca ou com seus próprios bonecos. Cada vez que ouvia seu nome, a do centro olhava com esperança, mas quando percebia ser para outro fim, baixava seus olhos e uma torrente de lágrimas caía.
Respirei fundo e percebi alguma delas se calando, como se fosse uma nova peste todos os outros olharam com aspereza para aquela subversiva. A que permanecia no centro mantinha seus olhos fechados e aparente distração com seus devaneios. Por conta de tamanha surpresa as outras crianças calaram-se também e diante daquele novo som ensurdecedor ajeitaram-se em suas posições, envergonhados com tamanha exposição e franqueza na falta de sons.
Agora quem havia fechado os olhos era eu. Transportei-me àquele momento, e ao abrir os olhos estava no centro do círculo e meus lábios mexiam incontroladamente palavras de tristeza, ódio, mágoa, mas principalmente palavras de amor. Era um grito desesperado, que somente agora, muito mais velha havia conseguido entender. Eram palavras desesperadas, saindo de alguém que não via sentido no que dizia e morria de medo de como seu sentimento tomava conta de suas ações e até mesmo de sua própria oratória. Percebi que agora os que me rodeavam prestavam atenção verdadeira àquilo que eu falava, e era a primeira vez também que prestava atenção na importância do silêncio deles. Depois do que me pareceu uma eternidade de verbetes, calei-me e esperei algum tipo de resposta ou ação para todos os questionamentos que havia lançado, todas as ofensas que havia profanado, todos os erros que havia cometido apenas verbalizando minhas próprias mentiras e confusões. Quando fechei a boca que me dei conta do mal que estava fazendo expondo todas as minhas questões e bombardeando terceiros com besteiras e complicações desnecessárias. Mas é claro que não sabia disso.
Dentro daquele corpo juvenil olhei ao meu redor esperando reações, e sem que nem eu mesma pudesse me dar conta, estava sendo envolta por braços, abraços e um montante de carinhos e palavras bonitas, que não pude fazer mais nada senão chorar. E chorei, senti o calor em meu rosto e ouvi o que não esperava ouvir.
Ainda com os olhos fechados, saí daquela atmosfera tão conhecida e familiar e voltei à minha cadeira de observação e distância, voltei também à maturidade e alguns anos de experiência. Logo que abri meus olhos, senti uma mão pesada em minha coxa e outra em meus ombros. Mesmo com algumas rugas era claro a ternura com que os que me acompanhavam naquela observação olhavam a si mesmos naquela roda. Palavras não eram necessárias. Havíamos aprendido a nos ouvir, havia demorado um bocado e muita coisa passou pra que descobríssemos o quanto o silêncio do outro é rico de insuficiências e não de segredos. Não havia segredos, havia identidades e gostosas verdades cheias de carinho. Era gostoso permanecer ali, sabendo que estava segura de olhar pro que um dia havia sido e ver quem havia me tornado. Era interessante ver o quanto eu guardava e o quanto era pesado o que carregava dentro de mim impelida de demonstrar. Morria de medo, como era bobinha.
A imagem a nossa frente foi se desfazendo aos poucos e só quando ela sumiu por completo nos olhamos em confidência. Todos ali sabiam o que havia acontecido e por tudo que havíamos passado, e aquilo fazia daquele silêncio tão especial. Era tão cheio de palavras que proferi-las era desnecessário. Era bonito, completo.
Eu queria ter descoberto tudo isso antes. Mas talvez não tivesse sido tão divertido todo o caminho, e com certeza não teria aprendido tanto.
Aqueles que me rodeavam eram filhos desses alicerces tortuosos e desse caminho cheio de obstáculos, eram tão cheio de cicatrizes quanto eu, cicatrizes as quais não se abririam jamais, haviam sido curadas. E tudo estava bem.