quarta-feira, 5 de novembro de 2008

No banco dos réus

A audiência estava em silêncio absoluto, não se ouvia um único suspiro ou muxoxo. As respirações estavam todas em uníssono e todos pareciam sintonizados numa mesma vibração. Concentrados e esperando descontroladamente por aquele resultado. Aquela sentença.
Mais a frente estava o juiz, forte, resistente, inabalável. Inquebrável. Tinha um olhar atento e direto, não hesitaria em condenar aquele réu e todos sabiam disso. Mas, ao mesmo tempo era fácil de localizar nele certa ternura e sapiência, muita sabedoria em lugar de uma simples inteligência, era um verdadeiro mestre, idoso, mas não senil. Vivído, mas não cansado.
Sentado, no canto esquerdo daquele tribunal estava ali, o advogado de defesa, frágil, com uma aparência ligeiramente chorosa e conturbada. Parecia ter acabado de passar por um turbilhão de sensações, e tudo lhe parecia fora de eixo. Uma cena incomum para um ambiente como aquele. Era notório que tinha acabado de fazer uma defesa, e em seu rosto ainda era podido ver toda a fúria que seu discurso guardara. Era bonito, era muito charmoso e jovem, muito jovem, havia um esboço de sorriso em suas lágrimas, que parecia poder ruir a qualquer momento. Sua certeza era impotente, e seu desejo de glória parecia subliminar diante de sua entrega àquele furor de emoções. Era volúvel, sensual e emanava a maior de todas as belezas, a da vontade e da juventude. Parecia que poderia queimar a qualquer momento, e suas lágrimas pareciam secar com uma velocidade muito rápida. Não era efêmero, era veloz, e arrebatador.
Já no canto direito estava o responsável pela acusação, e era nele que se podia ver a maior firmeza de todas. Era impassível, era inabalável e demonstrava, ao contrário do Meritíssimo Senhor Juiz, uma inteligência, uma sagacidade impecável, era astuto e capaz. Não era irônico, pois não era maldoso, era somente perspicaz e esperto. Sim, muito esperto. Sangue-frio não, mas consciente.
E de longe, a observar essa cena, em um banco, alto de mogno, estava ele, o réu. Seu olhar era fulminante e sua aparência poderia beirar a crueldade, mas por trás deste semblante estava indiscriminada uma sensibilidade e carência absurda, uma necessidade e anseio por atenção e notoriedade. Aparentemente, aquele julgamento, era uma espécie de vitória para aquele réu, enfim havia conseguido uma visão ampla e um brusco movimento por parte dos afetados.
Diante de todo o silêncio, uma perturbação tomou conta do réu, silêncio somente era permitido a ele se fosse corriqueiro e apropriado, mas aquele não, era aquele silêncio era medroso, da parte de todos, e isso não poderia acontecer, e então riu, nervosamente, mas sem cinismo, só com um leve deboche, um mecanismo ou uma válvula. E enfim, todos o olharam, mais uma vez, e isso fez o juiz finalmente acordar de uma espécie de transe que tivera olhando para a mesa do júri, não era indecisa a sua fase, era tão somente pesarosa, mas essencialmente sem perder a sua ternura.
E o silêncio tomou conta do tribunal novamente, todos sabiam que finalmente o veredicto seria dado e que por fim iria se saber o que estava nessa cruzada aparentemente sem fim, em dias de julgamento e muita aflição.
Seu olhar foi firme, e sua posição forte, e debaixo de muitas vaias e poucos aplausos, por fim, o Ciúme foi absolvido.
E o Amor, por fim, recolheu suas atas, deixando o recinto, onde a Paixão e a Razão se cumprimentavam e saiam em distintas direções opostas.

V. @ 23 de dezembro de 2007